2008-01-09

Para Sempre

Passagem de um livro que gosto de reler...


“Rita,

Já entendi que não me queres ouvir e que optaste por não responder às minhas mensagens, ou aos meus telefonemas. Estás magoada, eu sei.
Ainda pensei esperar-te à porta de casa, mas ponderei, e percebi que não podia impor a minha presença. Quando nos reencontrarmos será de mútuo acordo, e de assumida vontade de ambos. Também, não impuseste a tua presença quando eu precisei sair. Simplesmente deixaste-me seguir a minha vontade.
Mas tenho estado a pensar na nossa história, e por defeito de convivência contigo a escrever um esboço dos meus pensamentos. Espero que os leias, que não os rasgues antes de os tentares entender.
Ao olhar para ti pela primeira vez, não imaginava o mar de sentimentos em que a minha vida iria mergulhar.
Também, penso, que não era suposto que acontecesse.
Sabes bem, que nunca mergulho sem botija, ou pelo menos sem uma boa golfada de ar...
Não te imaginei minha, pelo menos não logo, nesse primeiro olhar.
Deixei-me cativar pelo teu ser, que me proporcionou bem-estar e foi transformando os meus dias. Pela tua alegria contagiante. Por essa tua força interior, que sensibiliza e conforta.
A esse encanto não pude resistir, de tal maneira, que me deixei ir pelo embalo.
Foi bom. Experimentei uma sensação única. Pela primeira vez não conquistei, mas também não me senti conquistado, não gosto de o ser. Deixei fluir e apercebi-me como podia ser diferente, gratificante.
Até que cheguei a esse oásis, e tomei consciência que dele não queria mais partir. Senti-o tão intensamente...como se de repente, tudo à minha volta se tornasse num deserto imenso e inóspito.
Parecem voláteis os sentimentos...
Nunca imaginei que deixasses de gostar de mim. Para falar a verdade, esse sentimento atemoriza-me.
Comecei agora a entender outras perspectivas dessa relação que entretanto se foi solidificando. Confesso que cheguei a pensar que o nosso desejo era desigual, mas de qualquer forma inabalável. Que independentemente do que pudesse acontecer, nada o iria fazer mudar.
Enganei-me. Deixei de te olhar nos olhos, da mesma forma que o fazia em momentos de paixão. Ainda assim, seguia sem questionar algo que para mim se foi confirmando, de dia para dia como uma certeza, mas muitas vezes e por força das circunstâncias, menos sentida. Só agora percebo que essa inevitabilidade pode ser a nossa maior inimiga.
E num clique, tudo muda?
Não sei, mas para mim mudou. Mudou para muito melhor. Sinto-o assim. Fizeste-me senti-lo. Cheguei a estar adormecido, apenas com a noção que éramos dois a seguir um único caminho, que a pouco e pouco se vai sulcando pelo destino.
Deixei de sentir essa inevitabilidade. E à custa de quê?
De imperfeições que nos atormentam, mas das quais não podemos, muitas vezes, fugir. Do egoísmo que não conseguimos, em tantos momentos, ultrapassar. Agora, deixei de me sentir acomodado.
Muitas vezes não é tranquilo, chega mesmo a ser difícil, mas ainda assim, faz-nos tomar consciência da sorte que, de um momento para o outro, nos bateu à porta.
Volta para mim.
Do teu sempre,
Diogo”

Fiquei a ler a tua carta. Tinha o teu cheiro. Conseguia entender muita coisa, outras esforçava-me para perceber e não conseguia.
Senti que nos envolvemos da mesma forma, que compartilhámos o mesmo sentimento durante muito tempo, até ter mudado a tua forma de olhares para mim. Sentiste-me de outra maneira, algo mudou, mas não mo disseste, preferiste sair de mansinho, deixando-me a tua ausência e a minha forma de te amar, que não se alterou.
Ganhaste consciência da sorte que te bateu à porta, quando bateste a da minha casa, virando-me as costas? Deixaste de te sentir acomodado ao teu egoísmo e às tuas imperfeições, quando te afastaste? Achas que me acho perfeita? Que não sou minimamente egoísta? Pois digo-te que sou, tenho consciência disso e luto todos os dias para que isso não agrida terceiros, só que ainda assim, não me preciso afastar de ti para ganhar noção de todos estes itens .
Não foi o destino que foi sulcando o nosso caminho, fomos nós. Assim como foste tu que escolheste sulcar outro longe de mim. Eu sigo o meu trilho e tu segues o teu.
“Não te imaginei minha, pelo menos não logo, nesse primeiro olhar.”, nem eu. Não pensei que algum dia me pudesse sentir de alguém, sentir que a minha vida me pertence mas também te pertence. Sabes o que me aconteceu quando saíste repentinamente da minha vida? Parafraseando-te, tiraste-me a botija, e nem me deste tempo para eu conseguir uma boa golfada de ar....fiquei sem respirar, a lutar para não me afogar, para que os meus pulmões não se enchessem de água, para que pudesse sobreviver ao maremoto que provocaste. Poderia responder-te com todos estes meus pensamentos, mas não o vou fazer, tal como tu não o fizeste quando mudaste a tua forma de me olhares e resumiste tudo num “não sei se te amo”. Não é vingança, não é mesquinhice, é apenas a resposta ao teu apelo de “Volta para mim”. Não, não volto, porque o meu trilho agora ruma a outro destino, vou-o sulcar sozinha, ainda a recuperar o fôlego do ar que me roubaste.

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