2007-12-19

Last Christmas



Quase um clássico do Natal.

Quem não se lembra?...

2007-12-04

Origem da palavra "Sincera"

Sincera é uma palavra doce e confiável.
Sincera é uma palavra que acolhe ... e essa é uma palavra que deveria estar
no vocabulário de toda alma.
Sincera foi uma palavra inventada pelos romanos.
Sincero vem do velho, do velhíssimo latim...

Eis a poética viagem que fez sincero de Roma até aqui:
Os romanos fabricavam certos vasos de uma cera especial.
Essa cera era, às vezes, tão pura e perfeita que os vasos se tornavam
transparentes.
Em alguns casos, chegava-se a se distinguir um objeto - um colar, uma
pulseira ou um dado - que estivesse colocado no interior do vaso.
Para o vaso, assim fino e límpido, dizia o romano vaidoso:
- Como é lindo!!! parece até que não tem cera!!!
"Sine-cera" queria dizer: "sem cera" uma qualidade de vaso perfeito,
finíssimo, delicado, que deixava ver através de suas paredes; e da antiga
cerâmica romana, o vocábulo passou a ter um significado muito mais elevado.

Sincero é aquele que é franco,
leal, verdadeiro, que não oculta,
que não usa disfarces,
malícias ou dissimulações.
O sincero, à semelhança do vaso,
deixa ver, através de suas palavras,
os nobres sentimentos de seu coração.

Malba Taham

2007-11-30

Tango


Movimento-me com a brusquidão de um touro ferido
Mas com a leveza de uma graça em perigo

Sei que o meu corpo é o que de mim te interessa
Embora tentes convencer-me do contrário sem que eu to peça

Sei, também, que aprecias a forma como me movo
Faço-o por mim
Não por ti
Mas sinto que, neste momento, mal te comovo

Rodopio no salão
Dominando a assistência
Sorris com orgulhosa displicência
E aplaudes a exibição

Não me rio, nem me zango
E para ti: este último tango...

2007-11-29

City of Angels

Inesquecível!
Porque nem sempre a vida se apresenta justa...

2007-11-28

As palavras


As palavras ecoam na minha cabeça
sem que eu as ouça
E amontoam-se desesperadamente
Enquanto a minha voz se emudece

O meu corpo morre
A minha tez empalidece
E, eu, louca de amor
Num sentimento doente
que em mim habita e padece
Deixo-me levar ao sabor dos ventos
sem amor, sem demais sentimentos

E num comportamento absorto
possuem o meu corpo já morto
Mas, antes, que a vida se desvaneça
Oiço as palavras da minha cabeça

2007-11-22

I don't want to miss a thing



Sempre actual. Sempre a minha favorita.

Aerosmith

You're gone






Fingertips

2007-11-21

Reflexão


Depois de algum tempo, aprendes a diferença, a subtil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E aprendes que «amar» não significa apoiar-se e que «companhia» nem sempre significa segurança. Começas a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começas a aceitar as tuas derrotas de cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de uma criança e não com a tristeza de um adulto. E aprendes a construir as tuas estradas no hoje, porque o amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de se partir ao meio em vão. Depois de algum tempo, aprendes que não importa o quanto te importas, algumas pessoas simplesmente não se importam. E aceitas que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai magoar-te de vez em quando e deves perdoá-la por isso. Aprendes que falar, pode aliviar dores emocionais. Descobres que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que podes fazer coisas num instante, das quais te arrependerás para o resto da vida. Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que tu tens na vida, mas quem tens na vida. Descobres que os amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprendes que não temos de mudar os amigos, se compreendermos que os amigos mudam. E descobres que o teu amigo e tu podem fazer qualquer coisa ou nada para terem bons momentos juntos. E descobres que as pessoas com quem mais te importas na vida, são tiradas de ti muito depressa; por isso, devemos sempre deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vemos. Aprendes que as circunstâncias e o ambiente têm muita influência sobre nós, mas que não deixamos de ser responsáveis por nós próprios. Aprendes que paciência requer muita prática. Aprendes que quando estás com raiva, tens o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de seres cruel. Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém; algumas vezes, tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo. Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, tu serás, em algum momento, condenado. Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que o consertes. E, finalmente, aprendes que o tempo, não é algo que possa voltar para trás. Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperar que alguém te traga flores. E percebes que... ,realmente, podes suportar... que, realmente, és forte, e que podes ir muito mais longe depois de pensares que não podes mais! E que, realmente, a vida tem valor, e que tu tens valor diante da vida! E só nos faz perder o bem que poderíamos conquistar, o medo de tentar!"


William Shakespeare

2007-11-20

Eu sei

Papas da Lingua



“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”



Fernando Pessoa

Memórias

Tantas manhãs que acordei cansada
Dos sonhos que me despertavam a cada instante
Sonhos bons, sonhos maus
Sonhos sempre constantes

Como era bom poder dormir toda uma noite
Sem acordar
Sem sonhos
Poder repousar

Agora, o tempo passou
As rugas engelham o meu rosto
Mas não me importo
Pois cada uma revela uma estória da minha vida
Pena tenho que a memória me atraiçoe para as poder contar

Mas mais que a pena de não me lembrar
Tenho a tristeza de já não ter com que sonhar...

2007-11-19

Contos de Natal

Está frio
As prendas estão no pinheiro
O presépio está montado
E o Canário no poleiro
Permanece sempre calado

Comemos um belo jantar
Sem fugir da tradição
Levantamos um brinde
Em prol da união

Cada qual abre os presentes
Beijamo-nos, estamos contentes

Ninguém fala do espirito de Natal
Mas sim de qualquer outro assunto banal

Saio para a rua, encontro um mendigo
Brindo com ele, sei que não corro perigo
Com um vinho bem rasca
Aqueço o coração
Na porta duma tasca
Partilhamos um pão

Agora e aqui
estou mais feliz
Neste mundo mais leal
Abraço-lhe e digo:
“Tenha um Santo Natal”
Um olhar com ternura, um sorriso sincero
Faz-me perceber que é isto que quero

Em casa, junto ao pinheiro
O Canário
Canta o dia inteiro.

Fugas


Chegaste.

Sei que todo este tempo esperei que isso acontecesse, sem saber que era por ti que ansiava a chegada.

Desviei o olhar. Escondi-me no meio dos estranhos para que não te lembrasses do meu.

Perdida entre a música que soava descompassada e camuflada entre todas as outras pessoas que se mexiam freneticamente, observei-te inebriada pela quimica que transmites.

O medo do passado impera no meu presente em que clandestino a minha existência na esperança de sobreviver a cada dia sem o peso insuportável da barreira de sentimentos.

Quem sabe um dia nos poderemos encontrar... sem os embustes da minha actual personalidade.
Por isso partiste tal como chegaste, sem que soubesses que eu ali estava, quase à espera da tua chegada.

Texto Publicado na Lux Woman

2007-11-13

Morre-se de medo

Morre-se de tédio

Mas do que se morre mais

É da falta de amor

Mal sem remédio que nos faz desiguais

Já morremos mil vezes

Já morremos de mil mortes

Porém todas naturais

Mas sempre renascemos para amar um pouco mais

Até que um dia a solidão

Daninha-mãe das decisões finais

Nos proíba o coração de bater mais.


Torquato da Luz

Mentira


As pessoas afivelam uma máscara, e ao cabo de alguns anos acreditam piamente que é ela o seu verdadeiro rosto.

E quando a gente lha arranca, ficam em carne viva, doridas e desesperadas, incapazes de compreender que o gesto violento foi a melhor prova de respeito que poderiamos dar.


Miguel Torga

2007-10-29

Perfume de sonho

6:30.
Toca o despertador.
Estremeço todas as manhãs com o som ameaçador que inicia mais um dia.
Salto da cama directa à minha rotina diária mas trago o aroma do sonho que a obrigação de horário me roubou. As sensações provenientes dos cheiros são uma constante na minha vida e com eles prolongo as recordações que auspicio preservar.
Reservo em qualquer cantinho privilegiado do meu cérebro os perfumes a que recorro frequentemente, na ausência dos autênticos quando inspiro algum semelhante.
Sonho depositar num frasquinho de vidro uma mistura perfeita, mas debato-me com a panóplia de cheiros que fazem parte da minha própria essência e então, dificulta-se a escolha.
No topo da minha lista, está o cheiro do meu filho no nosso primeiro olhar. A doçura de uma pele não perfumada com um toque da minha essência, mas já com a autonomia do seu próprio aroma.
O cheiro incomparável do colo da minha mãe, nas tardes de Domingo, numa combinação de lavanda e sabão.
Depois junto os cheiros das minhas viagens longínquas e inesquecíveis, com os aromas de todos os meus amores e de todas as minhas quimeras em flor.Et voilá!... o meu perfume de sonho está criado!

Texto premiado por Loewe

2007-10-19

2007-10-17

Ao meu grande AMOR


Hoje acordei cansada.
As dores tomam conta dos meus dias, e por vezes é difícil disfarçá-las entre maquilhagem e sorrisos, porque os outros precisam que nós estejamos assim.
E eu? O que é que eu necessito? Talvez de dizer um palavrão quando uma dor lancinante me paralisa os movimentos, ou simplesmente, chorar sem quê nem para quê. Somente porque o meu corpo precisa exorcizar o sofrimento que me faz temer o futuro.
Hoje estou tão cansada e revelo-o ao mundo.

Sento o meu pequeno rebento na sua cadeirinha no carro. Sinto o seu olhar a perscrutar a minha atitude.

“- Mamã, o que é que tens? Estás triste?”
- Não filho. Tenho muitas dores nas costas. Custa-me respirar e não consigo olhar para trás. Mas não estou triste.
- Eu sou teu amigo, mãe. Queres uma massagem?
- Não, meu amor.
- Gosto muito de ti, mamã.”

É nesse momento que sinto a emoção evadir-me os olhos. Não estou triste. Estou muito feliz de ter um filho destes.
Afinal, ele podia perceber, eu é que ainda não tinha tentado!

E se ele com pouco mais de dois anos entende, os outros também entenderão.
E os que não entenderem, paciência, afinal a pessoa mais importante da minha vida comprova que tenho feito a escolha certa ao encabecá-lo nas minhas prioridades.
Adoro-te filho!

2007-09-17

Frase


"Aprendi com a primavera a me deixar cortar.

E a voltar sempre inteira."



Cecilia Meireles

2007-09-06




Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram

Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projecções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente connosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.


A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

2007-08-28

Meninos Coragem

Setembro chegou. Com ele regressam uns tratamentos dolorosos que faço, anualmente, na clinica de Navarra.
Poucos sabem que a verdadeira força interior que me julgam detentora, chegou de fora. Num olhar de ternura e amor dum estranho.
Certa vez, nessa clinica, a meu lado estava uma criança linda, um menino magro, sem cabelo e de semblante triste que reclamava em silêncio a sua sorte, sem perder a doçura no olhar.
Eu, com os meus trinta anos, também, me sentia indefesa e insegura naquele lugar frio e impessoal. Percebemos, que algo mais nos unia do que a doença e ficámos fixamente a entre olharmo-nos durante todo um tratamento. Estendeu-me a mão. Ofereci-lhe a minha.
O meu tratamento acabou primeiro que o dele que começara antes de mim. Antes de sair, beijei-lhe a testa. Vi-o chorar. Pedia-me, em silêncio, que não o abandonasse ali. Sentei-me junto a ele e fiquei até ao momento em que o recolheram à enfermaria na companhia da mãe.
Onde quer que estejas, gostava que soubesses que guardo esse momento até hoje, na certeza que não tenho o direito de me lamentar!

2007-08-22

Poema a Boca Fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei
Pois que a língua que falo é doutra raça.

Palavras consumidas se acumulam
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em me não conhecem.

Nem só lodos a se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei,
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

2007-08-07

Hate me







Blue October

2007-08-03

Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Nunca, sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de amar assim muito amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

Gostar de mim


Estava um nevoeiro cerrado
Numa noite sem igual
Num céu pouco estrelado
A lua brilhava celestial

O que o meu coração sentiu
Almejou guardar o momento
Preservando o sentimento
De experimentar não pensar
E disso poder gostar

Poder tremer
Poder chorar
Poder sofrer e me revoltar

Nesse momento entendi
Que o que eu gostei e vivi
Foi a verdade de ser
E nela permanecer

Vivendo cada paisagem
Cada cheiro, cada imagem
Num horizonte sem fim
Poder repousar e gostar de mim

2007-08-01

Moçambique


O avião aterra.
Desço as escadas e ponho os pés na cidade que me viu nascer e da qual não guardo memória.
O cheiro a terra quente molhada é me familiar.
Abandonei Moçambique em criança e muitos anos depois, ainda, me sinto em casa.
Percorro as ruas de carro enquanto observo crianças que tomam banho em pequenos charcos que a chuva arquitectou, mas que o sol abrasador que já espreita ousa evaporar.
O lixo acumula-se porque não há recolha, e o cheiro nauseabundo, por vezes, torna-se insuportável.
Assomo-me do centro de Maputo, e em plena Avenida Julius Nyerere, perscruto todos os edifícios recordando-os de fotografias do álbum de recordações e das histórias contadas em jantares de família. Tudo está na mesma com trinta anos de desgaste e falta de manutenção.
Sou alertada para os cuidados a ter para lidar com os locais. Oiço todas as recomendações. Mas sou apenas mais um deles, e no meio de tanta coisa má, aquela cidade é linda e ficaria ali para o resto da vida a descortinar a panóplia de cores e cheiros que me estimula os sentidos. No regresso trago comigo o sabor do caranguejo, o som das marrabentas, a pele queimada, e a saudade daquela gente maningue chunguila...
Carta premiada na Revista Volta ao Mundo

Cores


Hoje o dia amanheceu diferente
O sol brilhava intensamente
Num céu azul nunca dantes visto
Vi pássaros e flores
Num mundo de muitas cores

O mesmo livro que ontem lia
tornava-se, hoje, uma bonita alegoria
neste momento que vivo
e que me inspira alegria
A noite já não é escura
pois a lua está presente

Posso contemplar as estrelas
e tê-las eternamente...

Esse meu mundo cinzento
em que vivi no passado
foi um necessário unguento
para esta visão de cores
da vida e de seus amores

Hoje olho para a frente
segura de estar feliz
honro a minha existência
com cores que outrora não quis

2007-07-26

Infância adiada

Os que me julgam nada sabem
E não me interessa o julgamento
Vivo a vida como quero
Desviando o pensamento
Desse terrível momento
que me roubou a alegria:
Uma violação calada
numa infância adiada
consome-me a cada dia.

Nunca chorei uma perda
Nunca sofri por amor
Encaro cada vereda
Mais um caminho na dor

Nunca consegui chorar
O momento que vivi
Mas queria não acordar
Ou viver longe de mim

Mais tarde,
velha e cansada
Mas, para sempre, angustiada
Espero a morte com amor.

E quando a terra caiu
e o meu caixão ruiu
abandonou-me a vergonha
da criança que não sonha
Foi, então, que percebi
Pois uma lágrima vi
na minha face a escorrer...

E já de olhos fechados
Com os pés e mãos atados
No dia em que para todos morri
Foi quando, para mim, renasci

2007-07-25

A minha escrita

Num canto provoco o choro
Perscruto a emoção trancada
À solidão não recorro
Mas ela é minha aliada

Queria tanto conseguir chorar
Ver a minha tristeza a lume
Mas esta forma de estar
Não me permite o queixume

Resigno a minha existência
Em passar despercebida
A minha sobrevivência
Depende de ser esquecida

Nunca pensei em morrer
Mas vivo sem convicção
Sempre tentando esconder
Que me mata a solidão

Sozinha, sem companhia
Pensando que aos poucos morria
Na ânsia de me salvar
Comecei a versejar
Passando os dias a escrever
Descobri neste prazer
A vontade de sonhar
A alegria de viver

2007-07-24

Teia

Todos os dias chorei a tua perda
Mas todos os momentos rezei para que não voltasses
Todas as noites sonhei com os teus beijos
Mas não desejei que regressasses

A imagem que de ti guardo é mais estável
Não me violenta os dias
Não me prende numa teia detestável

Insegura e perdida eu me mantive
Num tecer de fios inseguro
Num amor que se sabe sem futuro

Magoaste a minha alma sem receios
Eu amei-te e perdi-me em teus enleios

Sei que pensas que um dia hei-de ceder
Pois magoar-me dá-te prazer

Mas, agora, sem ti neste meu mundo mais sincero
Sei que te amo, mas não te quero

E se me ouvires gritar
Não precisas entender
Apenas te quero expulsar
Apenas me quero amar
Apenas te quero esquecer

2007-07-23

Amanhecer

Os nossos corpos estavam nus sobre a areia
A noite cintilava para nós
E amámo-nos a uma só voz
Num grito de prazer
Também o dia podia acontecer

Mas permanecemos no escuro
Num caminho nem sempre seguro
E na descoberta de cada contorno
Numa noite sem retorno

Ao ouvido, cantaste-me a mais linda balada
Que por mim fora sonhada
Adormeceria nos teus braços para sempre
Se não me roubasses o meu sonho, de repente

Contaste-me como essa canção era tão especial
Pois de outro alguém era um memorial
E sem perceberes porque eu sofria
Foi quando para mim nasceu o dia


2007-07-06

Lágrima


Olhaste os meus olhos rasos de água
Menosprezaste o meu sentimento com um insulto
Pouco entendeste da minha mágoa
Do meu amor querias apenas um vulto

Dei-te tudo o que tinha
Muitas vezes mais do que podia
A minha alma gritava
Mas eu já não a ouvia

Centrada em te fazer feliz
Morria lentamente
Sem perceber porque quis
Ser tua eternamente

Mas os meus olhos choraram
E tu sorriste ao vê-los assim
Eles que tanto te amaram
E que sofreram por ti

Mais uma lágrima caiu
Mas tu nem a notaste
Sorriste, nem a aparaste
O ombro que eu molhei
De quem quis chorar comigo
Foi o mesmo que abracei
Num sonho para ele antigo

E quando travei o choro
Foi quando pude entender
Um amor que eu nem notava
Pois a visão me toldava
A possibilidade de ver

Xadrez


Um menino perdido
Num adulto inseguro
Um sorriso escondido
Na expressão de um duro

Foi assim que te vi
Na primeira abordagem
Um rapazinho escondido
Num adulto selvagem

Foi assim que te quis
Foi assim que te amei
Era assim que tu eras
Quando me apaixonei
Mas fugiu o menino
Com medo de ti
Ficou demais pequenino
E eu desapareci

Cumpriu-se a promessa
Que em tempos fizeras
Que eras um insensível
E eu julguei que não eras

Queimei-me com o fogo
E muito me doeu
Para ti era um jogo
E o peão era eu

Retirei a minha peça
Para que não me maltrates
Joga sozinho o teu jogo
E vence com xeque-mates

2007-07-05

Aborto


Ponho a mão no meu ventre
E ainda não se sente
Queria muito ter tempo para te amar
Queria te poder explicar

Saio de casa sem convicção
Correndo para não pensar
Entro no consultório
Ainda que a hesitar

Perguntam-me: “Tem a certeza?”
E eu choro a amarga tristeza
Perguntando-me porque vim
Somente, digo que sim

Entro e visto a bata
Tentando manter a firmeza
Num espaço que me mata
E ao qual me sinto presa

Tudo acabou em minutos
Nunca me irei perdoar
De não sentir os teus chutos
Ou ouvir o teu chorar

E desta sala tão fria
Saio sozinha e sem ti
Que te amava eu não sabia
Só, agora, que te perdi

Mas não há como voltar
Pois, neste momento, estás morto
E viverei com a culpa
De ter feito o teu aborto

Desilusão

A desilusão habita em mim
Do sonho que tive
Da vida que julguei possível
Dum amor que não se concretizou

A última imagem que de ti guardo
É de te ouvir a gritar
Para mim, um som distante
Como que um sussurrar

Os teus gritos perderam volume
Mesmo que mantivesses o mesmo tom agressivo de sempre
A distância que me separava de ti, agora, era diferente

Ouvi-te vociferar
Tentavas magoar-me com palavras
Que, outrora, me fizeram chorar
Mas os teus gritos
Agora, eram um leve murmurar

Não olhei para trás quando saí
Não fiquei triste
Mas chorei sem entender que chorava por o meu amor morrer.

2007-07-04

Baú



Presas nos escombros do passado
As lembranças estão sujas
postais e fotografias fechados,
impedidos de quaisquer fugas

Num baú perdido e velho
Forrado com um pano vermelho
Encerrei a nossa história
Da qual não quero memória

Desejava fechar o meu coração
Como ao baú no porão
E voar como uma ave
Para longe dessa cave

O baú está encerrado
E nele todo o nosso passado
Mas não consigo parar
A dor que me invade o peito
E que suporto sem jeito

Fechar tudo é utopia
Não consigo, mas bem o queria

E neste meu presente incerto
Tenho um coração fechado
E um baú semi aberto

Reflexos




Olhei-me ao espelho,
não me reconheci
Os olhos inchados
A tez branca
Uma expressão inexorável
Reflexo duma noite mal dormida
Dum choro intenso
Duma depressão lastimável

Lavei a cara
Voltando a olhar para mim
Reflexo do que já fui
Foi só o que vi

O meu mundo parou
Quando te perdi
A cama, o meu aconchego
A solidão, o meu abrigo
Na ausência que suportei
Dum amor desaparecido

Olhei ao espelho
E verti uma última lágrima
Abri a janela
e respirei bem fundo
Soltei um grito
E ganhei o mundo

Parti o espelho
Parei o choro
Voltei à vida
Por amor...não morro!

2007-07-03

Viagem da vida

Sentada no avião
A janela pequena
O barulho de fundo
Uma pena suspensa
A de habitar este mundo

Na revista que leio
Na carta que escrevo
Habitando com o receio,
meu fiel servo

O avião que aterra
Numa cidade distante
Onde quem sabe me espera
Mais um fiel amante

Numa vida vazia
Com paragens incertas
Procuro momentos
E não sentimentos
Pois amor é fugaz
e rouba-nos a paz

Não encontrei o que quis
Tal como o imaginei
E permaneço infeliz
Sem o amor que tranquei

Numa vida que julguei escolhida
Tornei-me uma pessoa sofrida
Uma mulher amarga
Em que a minha dura carga
É tudo o que não sofri
Nesse amor que não vivi

2007-07-02

Grito

Recomeçar
Partir e voltar
Sem nunca sair do lugar

É assim o meu caminho nesta vida
...sempre perdida
Não me consigo encontrar
Não conheço o meu lugar

Lanço um grito baixinho
De ajuda que suplico
Mas tu sais depois dum beijo
Quando as minhas lágrimas caem sem pejo
Não ouviste o meu pedido
O grito não foi sentido

Fico triste ao perceber
Que ninguém me há-de escutar
Pois se não for eu a vencer
Nunca hei-de triunfar


Do que eu fui trago a saudade
Trancada sem liberdade

Abro os braços
Abraço a lua
E grito: “Sou tua!”
E nesse grito insano
Sorrio
e sobe o pano

Gritando como uma louca
Grito até ficar rouca
Conquisto a minha verdade
Exumando a ansiedade

Num segundo, sinto a mudança
No meu peito nasce a esperança
De me poder encontrar
Para me saber amar

2007-06-29

Poder-se-à não gostar de poesia?
Para mim, Florbela é o mais belo poema que eu pudera sonhar.


"Ódio por ele?Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se á vida assim roubei todo o encanto.

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar,marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado,
Como um soturno e enorme Campo Santo.

Ah! Nunca mais amá-lo já é bastante!
Quero senti-lo d'outra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda.
Ódio por ele?Não... Não vale a pena"

Florbela Espanca
"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares

2007-06-28

O meu blogue

Onze horas da noite.
Estou cansada. Preciso deitar-me e recuperar o fôlego que diariamente me é roubado na azafama quotidiana.
O meu filho já adormeceu e a casa está silenciosa.
Os meus passos ecoam no soalho da sala. Creio ser este o único momento do dia em que me consigo ouvir. Oiço os meus passos, os meus pensamentos e as minhas necessidades enquanto pessoa.
Adio o meu cansaço com a recompensa de um desabafo escrito. Ligo a Internet e acedo ao meu blogue. Escrevo incessantemente, oculta num espaço partilhado e não identificado. Aprecio este disfarce no qual me revelo sem máscaras, e sem medos.
Concluo que sou uma farsa, pois nem os amigos mais íntimos descobrem a minha identidade quando vasculham os pormenores dos meus sentimentos diários transcritos com autenticidade.
É ali que choro com palavras amarguradas quando tenho vontade. Mas, também, onde solto a gargalhada mais estridente perante a estupidez dos outros, que calo no mundo real.
Quando criei o meu blogue não sabia que conteúdo iria escolher para o mesmo. Optei por colmatar a falta de espontaneidade que pauta a minha vida com posts reveladores da minha verdadeira essência. Este escape apoderou-se de todos os anoiteceres como um ansiolítico perfeito, que abuso da prescrição.
A rotina e o desejo de o fazer é o que me impele para esse espaço que conduz a minha escrita e rumina a minha vida. Todas as noites, preciso desse momento como uma viciada.
Leio as criticas publicadas, percebendo que muitos leitores se identificam nas palavras que redijo, que outros reflectem com elas, e que, felizmente, alguns discordam totalmente do meu discurso impensado. São esses que entendem que escrevo como uma louca, despejando tudo o que tenho na alma, como se não houvessem limites ou regras nesta vida. A verdade, é que nos blogues não há.
Por isso é que surgem em catadupa milhares deles. Alguns apresentam infindáveis erros ortográficos, noutros a qualidade deveria ser impeditiva para que existissem, mas todo o indivíduo tem direito a ser autor de um ou mais blogues.
As pessoas estão ávidas por poderem expressar o que lhes apeteça sem serem julgadas ou descriminadas, de terem os mesmo direitos que os contíguos, nesta sociedade de diferenças, e de poderem ser, verdadeiramente, donas e dominadoras de alguma coisa nas suas vidas.
É assim que a blogosfera cresce em todas as direcções.
Há blogues individuais e colectivos. Há blogues de vidas, de política, de viagens, de piadas e de imagens. Há blogues pérfidos, fanáticos, carismáticos, aletófilos ou aleivosos. Há blogues de amigos e de desconhecidos. Em suma, há blogues para todos os gostos.E há, também, o meu humilde blogue: recente, por vezes, pobre em conteúdos, mas, sempre, o meu cantinho secreto, o meu porto seguro, o meu pequeno mundo paralelo, com as cores e as formas que anseio num crepúsculo emocional antes de um sono velado.

http://dinheirooportunidade.com/ entrem no site e conquistem €1000.00 com o vosso blogues. Eu estou a tentar. Tentem também!

Violência Doméstica



Mais um dia
Ainda respiro
Mesmo que deseje morrer
Ou que queira fugir
A falta de coragem
Impede-me de partir

Paralisa-me o medo
Imobiliza-me o receio
Sofrendo em segredo
Com o julgamento alheio

A violência que existe
Sinto-a no corpo
E num lábio a sangrar
No meu intimo persiste
A ânsia de denunciar
Mas permaneço calada
Sem um lágrima verter
Aguentando a pancada
Sem a tentar perceber

Disfarço todos os dias
Em que sou maltratada
E esses disfarces patetas
Em que ninguém acredita
Calam a minha vergonha
Assim sendo, ela não grita

E sem entender
Porque não posso chorar
O meu corpo se entristece
Pois nem eu o sei amar

E é num grito profundo
Quando a pancada me matar
Que hei-de deixar este mundo
E encontrar o meu lugar

2007-06-27

"Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim
Mas se for, saiba ser sem se desesperar
Desejo também que tenha amigos
Que mesmo maus e inconseqüentes
Sejam corajosos e fiéis
E que pelo menos em um deles
Você possa confiar sem duvidar
E porque a vida é assim
Desejo ainda que você tenha inimigos
Nem muitos, nem poucos
Mas na medida exata para que
Algumas vezes você se interpele
A respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles
Haja pelo menos um que seja justo
Desejo depois, que você seja útil
Mas não insubstituível
E que nos maus momentos
Quando não restar mais nada
Essa utilidade seja suficiente
Para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante
Não com os que erram pouco
Porque isso é fácil
Mas com os que erram muito e irremediavelmente
E que fazendo bom uso dessa tolerância
Você sirva de exemplo aos outros

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais
E que sendo maduro
Não insista em rejuvenescer
E que sendo velho
Não se dedique ao desespero
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
Desejo, por sinal, que você seja triste
Não o ano todo, mas apenas um dia
Mas que nesse dia
Descubra que o riso diário é bom
O riso habitual é insosso
E o riso constante é insano.
Desejo que você descubra
Com o máximo de urgência
Acima e a respeito de tudo
Que existem oprimidos, injustiçados e infelizes
E que estão bem à sua volta
Desejo ainda
Que você afague um gato, alimente um cuco
E ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal

Porque assim, você se sentirá bem por nada
Desejo também
Que você plante uma semente, por menor que seja
E acompanhe o seu crescimento
Para que você saiba
De quantas muitas vidas é feita uma árvore
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro
Porque é preciso ser prático
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele na sua frente e diga:"Isso é meu"
Só para que fique bem claro
Quem é o dono de quem

Desejo também
Que nenhum de seus afetos morra
Por eles e por você
Mas que se morrer
Você possa chorar sem se lamentar
E sofrer sem se culpar

Desejo por fim
Que você sendo homem, tenha uma boa mulher
E que sendo mulher, tenha um bom homem
Que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes
E quando estiverem exaustos e sorridentes
Ainda haja amor pra recomeçar

E se tudo isso acontecer
Não tenho mais nada a lhe desejar"


Victor Hugo

Elogio ao Amor

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza.Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito.Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido.Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama.Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".O amor passou a ser passível de ser combinado.Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos,bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha.Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso.Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice,facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor.É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz.É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino.
O amor puro é uma condição.Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma.É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária.A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre.Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente.O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.Não se pode ceder. Não se pode resistir.A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um minuto de amor pode durar a vida inteira.E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso

2007-06-25

Um só olhar

Hoje, olhaste para mim com um olhar de amor
Há quanto tempo não via esse olhar...
De amor que morria em mim
E que para ti era indiferente

Hoje, aqui estou, indigente
De afecto, de sentimentos
Numa vida de contratempos
Dum amor que tanto quis
E que jamais me fez feliz

Hoje, olhaste para mim com um olhar de amor...
Mas eu já estou na descida
A caminho de outra vida
Duma porta ainda trancada
Por mim pouco desejada

Sinto que tenho que partir
Pois nesta vida onde tu existes
Os meus olhos ficam tristes

Pois só, hoje, em muitos anos
Na verdade dos enganos
Me olhaste com amor...

2007-06-21

Sem Rumo

Entrei em casa
Pela mesma porta de sempre
Pensei que me habituava
A sentir-te ausente

Mas não consigo
Não me sinto capaz
De voltar à vida
Sabendo que tu não estás

“Outros amores hão-de vir
Ainda serás feliz”
É o que se diz...
Não me sinto capaz
Sabendo que tu não estás

Adormeço e acordo
E o teu cheiro ali está
Mas já não me recordo
Do beijo que me dás

O tempo passou
E não volta atrás

A vida acabou para ti

E eu fiquei assim
Sem rumo, sem estrada
Sem vida, sem nada

O teu sorriso eu não esqueço
O teu abraço não volta
Em mim existe uma revolta
Quero-te viva...não morta

2007-06-19

A minha rua

Olho as pedras da calçada,
Gastas e polidas
Guardam experiências suas
Contam histórias vividas
dos que passam nas suas ruas

Não as contam por contar
Mas sentimo-las ao ali estar
Que as sabem, que cada uma sente
...a história da sua gente

E pisamo-las
Maltratamo-las
Sem que elas se indignem
Continuando leais,
Fieis às nossas estórias banais

E, hoje, pela vida pisada
Pela idade maltratada
Percebo as pedras da calçada

Olho-as com compaixão
Fujo do meu mundo...
Mas, elas não.

Momentos

Ontem fiz amor com o meu Amor,
Deitou-se a meu lado e beijei-lhe a pele,
Senti-lhe o cheiro,
Falei-lhe ao ouvido
Ai que saudades, por vezes, tenho
de fazer amor com o meu Amor
De sentir que somos amantes para além da paixão
que os nossos corpos partilham quando rolam no chão

Não falámos muito,
Mas creio que no silêncio ficaram as coisas que haviam para dizer...
Ambos sabemos que nos amamos
Ambos sabemos que não tem sido fácil
Ambos sentimos que desta vez poderia ser até nunca mais
Ambos sabemos que devemos tentar fazerTudo aquilo que ficou por dizer....

2007-05-30

Evasões

O sol espreita por entre as nuvens escuras que prometem aguaceiros.
Alguns raios de luz iluminam a cidade de Lisboa, enquanto os chuviscos se desinibem e molham as nossas calçadas. O corrupio para os vãos de escada, ou para baixo dos beirados é imenso.
Não me abrigo. Fico em plena Rua Augusta a molhar-me, provavelmente, tanto como os que se acoitaram, pois as varandas não são suficientemente grandes para os proteger da chuva.
Esconderam-se da beleza e calculam que eu deva ser louca, por permanecer sozinha do local de onde todos fugiram. Não me importo com o pensamento alheio.
Contemplo o Arco da Rua Augusta iluminado por um Arco Íris gigante que irrompe impetuosamente o céu negro. Alguns turistas apercebem-se da excelência do momento e enfrentam os aguaceiros em chinelos e de máquina fotográfica pronta a captar a alegoria.
Ignoro-os e continuo a minha curta caminhada até ao trabalho aproveitando a envolvência
Lisboa não cheira a cidade, cheira a chuva e transporta-nos para outro mundo dentro do mesmo em que vivemos todos os dias, sem que lhe prestemos muita atenção.
Acaba a viagem. A porta do escritório deixa do lado de fora a minha cidade. Um dia intenso espera por mim entre paredes e janelas fechadas.
Mas sei que tenho o encontro marcado com Lisboa à hora de saída do expediente, e a noite traz sempre brilhos diferentes à minha existência.Não consigo passar onze meses no ano a idealizar os meus dias de férias que passam num ápice. Adoro essas evasões, mas aproveito todos as outras que a vida me oferece.

(Texto premiado na Revista Rotas & Destinos)

2007-05-29

"Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada. "

Maiakovski

2007-05-24

Acabou

Bati a porta
Saí para a rua
Não volto a entrar
Nessa casa que é tua

Fugias de mim
Num espaço tão estreito
Senti-me sozinha
Tão fraca e sem jeito

Perdida num mundo
A que não pertencia
Imune a sentir
Eu sobrevivia

Um murro na mesa
Não adiantava
À noite vivia
Sonhando que voava

Partir para longe
Ou ficar aqui
Com a tristeza profunda
De que não consegui...

Não digo mais nada
Não forço o momento
Bati a porta
Saí para a rua
Não consigo voar
Mas já sinto o vento

2007-05-22

Noite de Guerra

Hoje acordei cansada
Com a alma vazia
De amor e de esperança
Quem dera ser criança...
Acreditar que amanhã será melhor
Não haverá fome nem dor
Só uma corrente de amor...

Hoje sonhei com crianças a morrer
Com mães a definhar
Sem poderem amamentar

Sonhei que estava na guerra
Que em corpos eu tropeçava
e os vivos eu matava

Em olhares de terror
Eu reflectida chorava
Mas ainda assim disparava
A arma poderosa
Que não me saía da mão
quando tombei como um pião

Eu que sorria a cada tiro de morte
uma bala roubou-me a sorte
E caí como tantos outros
Numa poça de sangue e de dor
Morri sem ninguém, sem amor
Morri com os inimigos
E todos fomos varridos
Como beatas no chão
...sem brandura, nem perdão

Quando acordei entendi
Que aquando eu dormi
E um sonho mau vivia
Tudo aquilo acontecia

Foi assim que acordei
Na cama... cansada
Sem fazer nada

Traição

O teu colo era o meu conforto
O teu abraço o meu aconchego
Um beijo com o teu gosto
Um filme com o teu chamego
Era o bastante para eu não duvidar
Do amor que juravas ter
E que esbanjavas ao dar

Mas muitas vezes a angustia
Reclamava o meu temor
E achando ser injusta
Celebrava o nosso amor

Havia razão no meu sentir
E emoção no meu querer
Numa vida partilhada
Sempre fui mulher amada

Mas nunca te pude ter
Pois nesse abraço apertado
Nesse beijo tão bem dado
Que era por mim tão sentido
Não me era dirigido

Hoje, triste e desiludida
Sei ser a imagem reflectida

Objecto de paixão
Foi outra que desconheço
Eu fui a ilusão
De ser o que não pareço

A partir deste ensejo
Perdeu o gosto o teu beijo...

2007-05-21

Cicatriz

Em todos os amores procurei amor
Em todos encontrei desamor
Numa busca incessante de felicidade
Encontrei a amargura da verdade
De nunca ser amada pelo que sou
Chorei cada perda com saudade
Em cada relação que acabou

E, hoje, relembro todos
Os amores que acabaram
Todas as feridas que sararam
Já não dói, já não se vê
O tempo curou-as
Disfarçando a cicatriz
A idade apagou-as
Como a um traço de giz

Foi com marcas profundas
Que conquistei a liberdade
Com um amor de verdade
Voei, posei, vivi em plenitude
E sem medo da altitude
Encontrei-me, vivi o momento
Chorei e ganhei tempo
Deste passado que guardo
Que não me orgulho mas não apago
E tendo o céu como abrigo
Descobri, como é bom voar contigo

2007-05-16

Sem começo


Há um vazio em mim
Que não entendo
Um espaço roubado
Que não tem magia
Um reflexo de vida
Numa morte em agonia

Um desespero latente
Uma depressão constante
Uma verdade urgente
Numa terra distante

Um mundo acabado
Numa pintura sem tela
Um cavalo selvagem
Preso a uma cela

Uma janela fechada
Num dia cinzento
Um cortinado que se agita
Ao sabor do vento

Uma porta que bate
Sem nunca se fechar
Um amor que termina
Sem poder começar

2007-05-15

Sexo

Dedicado a todas as mulheres subjugadas ou acomodadas a relacionamentos e casamentos...

Sexo sem amor
sem paixão
com beijos de ocasião
...que mau gosto

Os gemidos, as palmadas
...o desgosto

Fecho os olhos
Sinto os teus movimentos
Contraio-me, mas não falo
São meigos mas violentos

Fazem-me mal
Porque me calo?

Maltrato-me
Ignoro-me
Prefiro morrer a estar contigo
...mas estou

Então, grito e tu não ouves
Choro e tu não estranhas
Nesse momento, morro
Para que me não tenhas

E morrerei todas as vezes
Que isto acontecer
Não consigo gritar “basta”
E, então, finjo prazer

2007-05-14

Os meus versos

Fiz estes versos para ti, meu amor
Sei que nunca os hás-de ler
Mas guardo-os na gaveta
Encerrados entre roupas

Sei que estarão sempre ali
As minhas palavras loucas
Do amor cego que vivi

Já pensei entregar-tos
Mas desisti
Têm mais valor trancados,
Lidos só para mim

Não saberás quanto te amei
Nem como chorei a tua perda
Em palavras que tranquei
Após essa vereda

Se os lesses acreditarias
Serem de outrem
Nunca entendeste
Que te quis como a mais ninguém

Por isso, desse amor não merecido
Guardo rancores, palavras e versos por ti não lidos.

2007-05-09

Mar

Sentada na areia
Da praia deserta
Do mar uma ideia
Do sonho desperta

A onda que vem
No meu mundo que vai
Na esperança que sei
Que do meu corpo não sai

Sentada na areia
Vendo a extensão do mar
Imenso, tremendo
Sem nunca findar
Perscruto a tristeza
Que me invade a alma
Enfrento a incerteza
Que me rouba a calma

Sem medo da morte
Com medo da vida
Num mundo em que a sorte
É minha inimiga
Fecho os olhos e perco o medo
Enfrento as ondas com o meu segredo

O mar é tão grande
E eu tão pequenina
Que ele me abafe
como a uma menina

2007-05-08

Rio Douro

Eu, tal como um cavaleiro andante
Que não gosta de uma só paragem
Neste local descansei
De mais uma longa viagem

Quão lindo quanto marcante
Este sitio me faz sentir
Pela primeira vez,
Não me apeteceu partir

Mas não pudendo ficar
Apanhei a minha estrada
Com vontade de chorar
Com a alma destroçada

Olhei pela última vez o Douro
Ele que tanto me marcou
E quando lhe disse adeus
Acho que ele, também, chorou.

2007-05-07

Podia...

Podia ter dado certo
Podias ter feito um esforço
Podias ter percebido a tempo que me perdias
Podias ter tratado melhor o amor que vivias
Podias ter mudado o rumo do fracasso
Mas não podias abdicar do teu tempo
Não podias abdicar do teu espaço
Não podias compartilhar momentos
Não podias render o teu amor ao embaraço

Foi assim que acabou:
Tu ficaste como noutro dia qualquer
Com o teu tempo e o teu espaço
Não percebendo que eu já nada implorava
E quando saí para não mais querer voltar
Caminhei, sozinha, longe dos teu insultos
Percebendo o desgaste deste amor de tumultos


E longe de ti, que achavas ter feito tudo
Sem teres feito nada
Um novo caminho, uma nova estrada

2007-05-03

Mãe


Não se esqueçam que Domingo é Dia da Mãe.
Este poema é dedicado a todas as mães que já partiram.
Felizmente, a minha ainda está fisicamente a meu lado, mas angustia-me pensar que um dia irá partir, ainda que seja por uma breve ausência.


A tua poltrona
O teu livro
A janela mal fechada
Todos te esperam
Tal com os deixaste
Como lhes dizer
Que não voltaste?

Sento-me na tua poltrona
O teu livro vou ler
Começo a chorar
...eles vão perceber

Mas não choram, nem sentem
Não entendem o meu pranto
Quero-te tanto!
Quero o teu colo
O teu abraço
A tua velhice
O teu cansaço

Olho a janela
Contemplo o céu
Oro para que estejas bem
Junto de Deus

Na tua poltrona
Choro sem pejo
Fecho os olhos
E sinto o teu beijo

Como senti-lo,
Se tu já partiste?
É então que oiço:
“Não estejas triste
Não hei-de voltar
Mas de braços abertos
Me hás-de encontrar
Num dia de sol
Ou numa noite com lua
Pois daqui continua
O meu papel de mãe.

2007-05-02

Mendigo

Louco por viver mal rodeado
Por se sentir tão mal amado
Luta contra todos e não consegue
É então que não mais se persegue
E se abandona num fétido beco com uma garrafa de vinho
Agora, sente-se menos sozinho

Da sua casa não tem vergonha
Bebe vinho, fuma maconha
Não tem amigos, mas não se rala
Dos que tinha já ninguém fala
E vive soberanamente
Pois é pobre mas vive contente

E quando olham para ele com algum horror
Mascarados num falso pudor
Agoniam-se com o cheiro do “desgraçado”
Também este por eles agoniado

Podes ajudar a dar-lhes um mundo melhor. Informa-te: http://www.lbv.pt/pt/voluntariado.htm

Idade

Acordei
O dia está frio,
A cama está quente
Eu queria sair
Sentir-me “Feliz entre as gentes”

As pernas não as sinto
Mas o corpo eu não deixo

A idade me remete
à cama e ao desleixo

A campainha que toco
Na angústia de ver alguém
Estou velha, não estou doente
...ninguém vem!

Lá fora oiço a chuva
Queria tanto poder vê-la
Pensando melhor, não queria!
A chuva é fria...
Assim me engano, assim me minto
Pois as pernas não as sinto
E o corpo não me sente

Adormeço
O dia está frio....a cama está quente

Informe-se dos seus direitos: 800 20 35 31 (Linha do Cidadão Idoso)

2007-04-26

Maus-tratos

Leonor chegou a casa com o seu sorriso característico.
O Verão estava a terminar, mas o calor ainda persistia. Leonor trazia as faces ruborizadas, que contrastavam com a sua tez clara. A ladeira que antecedia a sua casa, tornava-se um calvário num dia quente, mas Leonor não perdia o seu ar afável enquanto a subia. Parava para cumprimentar todos os que conhecia, mesmo que as suas mãos latejassem pelo peso das compras que trazia.
Entrou. Poisou os sacos no chão da sala e tentou que os dedos enrugados voltassem lentamente ao lugar. A idade dificultava esse processo. Sentou-se no cadeirão e esperou que a sua respiração, também, estabilizasse.
Foi quando Álvaro entrou de rompante, batendo a porta da entrada. Leonor estremeceu, deixando esmorecer o seu sorriso, em prol do ar temeroso que só o marido conhecia.
Leonor sempre escondera de todas as pessoas, até mesmo dos filhos, as agressões de que era vitima há muitos anos. As escoriações e as equimoses seriam sempre sinónimo das quedas que sofria dada a sua avançada idade, nunca da violência doméstica que a atingia.
Esquecendo a falta de ar e as guinadas nos ossos, levantou-se tentando aparar Álvaro, que o álcool tentava derrubar. Nele aprendera a esconder a vergonha de um despedimento numa idade em que jamais conseguiria outro emprego, na Leonor despejava a ira de não ser capaz de lutar por mais nada.
Esta tarde não foi diferente das outras, e sem qualquer pudor ou misericórdia espancou uma vez mais Leonor, expiando toda a sua raiva naquela mulher que, outrora, tinha amado, e que segundo ele jurava, ainda era a “paixão da sua vida”.
Leonor não imitia qualquer som, enquanto levava uma surra. Desejava que ninguém desconfiasse o que se passava dentro da sua casa. A vergonha encurralava-a. A pena que sentia da infelicidade do marido, que se revelava na sua mudança de atitude, entristecia-a. A tentativa para que todos acreditassem na sua frágil felicidade, extenuava-a.
A sua maior preocupação quando começaram os maus-tratos era esconder as partes do seu corpo em que poderiam ser visíveis as marcas da agressão. Com o passar do tempo e com a sua permissividade à violência exercida, o grau de crueldade agravou-se, e Leonor tentava, somente, proteger os seus órgãos vitais para não sucumbir.
Era assim que se poderia observar Leonor, agora, deitada perto dos sacos das compras, após um chuto nas débeis canelas, que a derrubou. Agarrada à cabeça protegendo-se de um pontapé que lhe era direccionado, foi-lhe infligido outro na barriga. Contorceu-se. Gemeu baixinho, enquanto a brutalidade de Álvaro pedia gritos de dor. Mesmo que quisesse fazê-lo, já não conseguiria. A bata, com flores pequeninas, que tinha vestida era agora vermelha, inundada pelo sangue que brotava do seu corpo num clamor de revolta. Álvaro dominado pelo álcool que lhe percorria o sangue, transpirava do esforço exercido no espancamento, alheio ao facto de Leonor se estar a esvair.
Leonor já não estava ofegante, já não tinha as faces rosadas, já não se obrigava a calar os seus gritos, porque já não sentia a dor. A sua tez estava cada vez mais pálida, e ela apercebeu-se que a morte estava perto. Foi então que esboçou um sorriso, não o seu sorriso característico, mas um que lhe vinha da alma.Álvaro parou quando lhe reparou na expressão. Leonor estava feliz, finalmente, tinha coragem para o abandonar...mesmo que tivesse de ser assim!

Denuncie: cidm@mail.telepac.pt

Voo

Quando o final chega algo nos aparta a alma. Seja o final duma relação, dum estágio, dum bom filme, de algo que nos soube bem.
Mesmo quando as coisas correm mal, por hábito, ou por lembranças remotas fica sempre um gostinho amargo na boca, e nem sempre é fácil um reaprender a voar.

Sabes quando uma lágrima corre pelo rosto?
Sabes quando já não aguentamos a dor que nos invade o peito?
Sabes quando gritamos a chorar porque não aguentamos mais?

Sabes quando no fim de tudo isso,
já não tens lágrimas,
não tens gritos,
e não sabes se ainda sentes dor?

Sabes o que é o abismo?
Sabes o que é não chegarmos a saltar e ficarmos a contemplá-lo com medo?
Sabes o que é passar o medo e atirares-te descobrindo que sabes voar?
Sabes o que é não quereres voltar a pousar?
Sabes o que é descobrir que queres voar porque simplesmente receias regressar?
Eu sei e foste tu que me ensinaste.

2007-04-24

Paraplégico

Uma viagem intensa
Ao fundo da sua existência
Um momento celebrado
Com orgulho e persistência

Uma luta diária
Sem angustias nem tristezas
Numa vida vivida cheia de certezas
Sem ligar a preconceitos
Encara os seus defeitos
Como provas e não provações
Consolidando paixões

Sem andar pelo seu pé
Com muitas dificuldades
Encontra muitas barreiras
Mas vive sem ansiedades

Conheci-o de passagem
Num quarto de hospital
Para ele uma viagem
No percurso espiritual

E se alguém o conhecer
De certo irá entender
Porque vive espalhando amor
Mesmo habitando com a dor

Ama a vida com verdade
Aceita com serenidade
O que o destino lhe reservou
Numa cadeira sentado
E a isso confinado
Tornou-se um ser superior
Com uma aura de amor

E se isso não for melhor
Que me digam os “perfeitos”
Se não será bem pior
Viver-se com outros defeitos?

http://www.snripd.pt (Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência)

Nunca poderia o meu blog começar sem referência à minha maior inspiração de vida: o meu filho.

Para ele, o meu primeiro poema:

Momento intenso aquele que vivemos
Não nos interessavam os que estavam em redor
Não importava mais nada que não fosse o amor
Só nos dois o sabemos...

Descobrimos as feições
Olhámo-nos e
Amámo-nos sem restrições

O elo físico foi cortado
Mas nunca o sentimento apagado

No nosso primeiro olhar de descoberta
O abrir duma porta secreta

Uma ligação para sempre
Verdadeira e leal
Agora, sem cordão umbilical

Numa felicidade incontida, chorei
Numa nova vida que encontrei

Em paz e com um novo sentimento
Vivi a glória do teu nascimento